VIVA O MOTOBOY

Ynah de Souza Nascimento

Pátio do Forró – Caruaru – Pernambuco

                Um mês de festas. É assim que Caruaru comemora o São João. Toda a cidade se organiza para as apresentações oficiais em vários polos, oferecendo o que há de melhor em termos de tradição junina.

                Imagine dar aulas noturnas em uma escola que fica a menos de 200m do Pátio do Forró… Esse era o desafio de Patrícia nos meses de junho. Havia um fundo musical para as aulas de redação: o forró. Ela dava conta do desafio, porque compreendia a importância daquela época para seus alunos. Muitos deles eram apenas apaixonados pelo forró, mas muitos outros – além da paixão – esperavam aquele momento para conseguir ganhar um dinheiro oferecendo algum serviço: comidas ou bebidas, no mais das vezes.

                Naquela noite, Patrícia planejou tudo: deixaria sua bolsa e documentos no hotel onde se hospedava nos dias em que viajava para dar as aulas na cidade; usaria como material didático algumas fichas de aula, devolveria as redações corrigidas e não recolheria redações novas. Assim, não teria de voltar ao hotel com materiais, como acontecia sempre. Daí poderia – antes de passar no hotel, a duas quadras da escola – dar uma passada no Pátio do Forró, que também ficava a 10min da escola e do hotel. Durante o intervalo das aulas, ainda perguntou se algum colega iria por lá, mas ninguém tinha os mesmos planos que ela. Então, ela iria sozinha mesmo. Havia já perguntado ao porteiro do hotel se o lugar era perigoso, e ele a acalmou, dizendo que não precisava pagar nada, e era seguro porque havia revista de armas de fogo. Tudo organizado então, às 21h ela terminou sua última aula – das 10 aulas daquele dia – e partiu para o forró. Cansada, mas curiosa para conhecer o tal Pátio do Forró.

                Era imenso o lugar. Várias atrações no palco principal, e outras em palcos secundários. Muita comida e bebida para comprar nas barracas, além, é claro, do lindo artesanato local. Patrícia não perdia nada. Observava com seu olhar atento o ambiente. Sobre estar sozinha, não era problema. Estava divorciada há alguns anos, mas não deixava de sair. Cinemas, teatros e shows, ela não perdia nada. Só tinha o cuidado de no trajeto do carro para o lugar e na volta posicionar-se sempre junto a outras pessoas, como se estivesse acompanhada delas. Assim não correria tanto risco de ser surpreendida com alguma situação ruim como um assalto ou um assédio indesejado. Aliás, nesse quesito de assédio, também estava com muita experiência: o pretendente mostrava-se interessado por alguns dias, até conseguir um novo encontro, com esperanças de ter uma transa legal. Depois a procura ia escasseando até parar de vez. Quando ela se mostrava logo “difícil”, o sujeito vinha com o papo de que “não queria compromisso”, “não estava pronto”, “o problema não é você, sou eu”. Assim, já no primeiro contato ela acionava seu discurso também, bem direto: “se o objetivo é conseguir um momento de sexo comigo, já vou avisando que meu objetivo está distante disso: quero um amor para sempre e um companheiro de verdade”. Desse modo, já evitava futuros dissabores.

                Patrícia estava tão distraída admirando as pessoas dançando forró que nem percebeu quando ele se aproximou. Só sentiu um toque no ombro. Quando se virou lá estava ele: um enorme chapéu de cowboy, botas de salto, uma calça justa, uma camisa xadrez, e um bigode estilo mexicano. “Vamos dançar?” perguntou ele. O choque foi imenso. Aquela figura era completamente diferente de tudo o que ela já havia imaginado como pretendente. Movendo-se na área acadêmica, normalmente o que circulava em torno dela eram outros professores, com muitos títulos acadêmicos também como ela, mas indecisos para fazer a abordagem. Então, a surpresa foi tanto do ponto de vista do visual como do possível perfil masculino dom o que ela estava habituada a administrar. Mas a surpresa maior ainda estava para acontecer. Nunca mais a vida de Patrícia seria a mesma.

                O rapaz insistiu. “Vamos dançar?”. Refeita do susto, ela respondeu: “Não sei dançar”, imaginando que seria uma ótima desculpa para escapar dali. Mal sabia ela que o rapaz era determinado: “eu lhe ensino”, respondeu imediatamente ele. Diante dessa resposta Patrícia não teve escolha: aceitou. De imediato o rapaz logo segurou-lhe a mão e dirigiu-se ao “salão de danças”, improvisado em uma das barracas do Pátio do Forró.

                Enquanto fingia que não sabia dançar forró – desculpa que dera para seu par – Patrícia imaginava se alguém do seu convívio social pudesse estar testemunhando esse “mico” em que ela se metera. Entretanto não teve tempo de refletir muito porque seu par foi logo engatando uma conversa: “como é seu nome?” “onde você mora?” “já tinha vindo aqui no São João?”. E ela ia tentando não dar muitos detalhes de sua vida, mas era pergunta atrás de pergunta. O rapaz não era bobo não e percebeu que algo estava acontecendo e, diferentemente do estilo dos outros pseudos pretendentes de antes, foi logo dizendo: “você não me conhece, eu sei, mas fique tranquila, sou um homem de bem”. E, antes que Patricia pudesse responder algo, ele acrescentou, em um fôlego só: “tenho uma profissão, tenho carteira assinada, tenho casa própria, e sou motoboy”.

                Por essa ela não esperava jamais. Ficou muda. Rapidamente passou a limpo todas as conversas anteriores que justificavam o desinteresse do sujeito quando queria se distanciar. Sua cabeça dava mil voltas e não chegava a lugar algum. Nem sentiu quando a música parou e ele insistiu para que eles continuassem a dançar. Ela respondeu que não podia, que ia encontrar uns amigos que já deviam estar preocupados com a demora dela, e acrescentou uma série de desculpas para sair dali o mais rápido que pudesse. Ele ainda insistiu para que ela aceitasse comer algo com ele, que estava convidando e iria pagar a conta. Insistiu também para acompanhá-la até que ela encontrasse seus amigos. O rapaz sabia o que queria e insistia mesmo, mas ela conseguiu se desvencilhar e – olhando sempre pra trás – seguiu em direção ao hotel. Preocupada em verificar se o rapaz não a estava seguindo.                

Naquela noite não conseguiu dormir. Na sua cabeça vinha sempre a frase “viva o motoboy”. Será que, se todos os pretendentes fossem assim, haveria menos mulheres solteiras? Tempos depois, conversando com a filha sobre o ocorrido, ouviu dela uma frase que a empregada havia dito em casa: “homem pobre tem tempo pra depressão, não”. A frase bateu em cheio com o motoboy. Seriam os homens pobres menos complicados? Nesse caso, teria lógica pensar que homem pobre quando quer, parte para a conquista; quando não quer, também não fica encontrando “desculpas” para enrolar? Quem poderia ajudar a responder?

Sobre Ynah de Souza Nascimento

Ajudo você a elevar sua auto-estima através do desenvolvimento da leitura direcionada e ferramentas poderosas. Mentora do Clube de LeiturAção, sua leitura sistêmica.
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2 respostas para VIVA O MOTOBOY

  1. Com certeza, a narradora faz um questionamento muito importante de como nós, mulheres, somos ainda preconceituosas e com crenças limitantes em relação a certos tipos de empregos que os homens ocupam na atual sociedade. E nem damos valor a pessoas mais determinadas e mais simples, todavia com um grande potencial para fazer as mulheres felizes. Abraço, Ynah.

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